sábado, 2 de novembro de 2013

Péssimos Conselhos da “Supernanny”

Alfie Kohn Explica Por Que Castigos Não Funcionam 

Péssimos Conselhos da “Supernanny”

Ditadores adoram rebeliões. A desordem oferece uma desculpa perfeita para revogar liberdades de forma a restaurar a calma. Afinal de contas, existe apenas duas escolhas: caos e controle.  Os criadores da Supernanny e da Nanny 911 entenderam bem essa fórmula. A cada semana eles apontam suas câmeras para lares disfuncionais nos quais as crianças parecem enlouquecidas e os pais prontos para enlouquecer também. Há choros, gritos e agressões…inclusive partindo das crianças. Mas espere. Quem vem lá? É uma babá inglesa, bem arrumadinha, pronta para entrar em cena com a velha receita do controle. Em alguns minutos os pais estarão no comando, as crianças estarão calmas e obedientes e todos estarão cheios de gratidão. Entra a música melosa, os abraços em câmera lenta e as cenas dos próximos capítulos de uma famílias ainda mais problemática.

Esse tipo de programa eleva a arte de manipular os espectadores para um nível nunca antes imaginado. Para começar, a escolha de crianças incrivelmente “mal-comportadas” nos dá um certo sentimento de sucesso: “Pelo menos meus filhos – e minha capacidade enquanto pai ou mãe – não são tão ruins!” Indo direto ao ponto, essas famílias problemáticas nos fazem torcer por soluções totalitárias. Qualquer coisa para acabar com o tumulto.
Somos encorajados a acreditar que ter uma equipe de filmagem em casa não influencia como pais e filhos interagem, e para nem pensarmos sobre o tipo de família que permite que sua humilhação seja televisionada. Somos convidados a acreditar que as famílias podem ser transformadas em alguns dias e que as imagens apresentadas revelam as fantásticas qualidades da babá – e não dos editores do programa. Atualmente, várias séries dramáticas de TV, assim como algumas comédias, evitam os famosos finais felizes. As vezes o paciente morre, o bandido engana o promotor público e o mau caráter se dá bem. Porém, aqui, no reino dos programas sobre vida real, é preciso encontrar uma solução feliz antes da última cena. Talvez os programas sobre a vida real sejam os mais irreais.
Poderíamos apenas rir da implausibilidade desses programas, se eles não estivessem ensinando milhões de pais sobre como criar seus filhos. Nesse sentido, é preciso desmascarar esse falso remédio.
Vamos analisar o Supernanny americano. O programa usa uma fórmula: Jo Frost, a babá oficial e agora escritora que tem seus livros nas listas dos mais vendidos, chega, observa, faz caretas, fala o óbvio, determina uma rotina com uma série de regras e punições. Os pais tropeçam no começo mas eventualmente começam a aplicar o sistema proposto. Tudo isso resulta em contentamento e paz.
As limitações do formato do programa não tem tanta importância quanto as limitações da estrela principal. A abordagem da senhorita Frost para as crises familiares é incrivelmente simplista; seu repertório é tão pequeno que a leva a ignorar questões importantes. Em nenhum momento ela para e reflete sobre o dilema colocado para grande parte dos pais entre a necessidade de trabalhar e de cuidar das crianças ao mesmo tempo; será que a falta de espaços de qualidade e com custo baixos, onde as crianças possam ficar durante parte do dia, tem alguma coisa a ver com esse dilema? Ela nem sequer se pergunta sobre questões psicológicas. As expectativas dos pais são apropriadas para a faixa etárias dos filhos? É possível que alguma coisa mais profunda possa explicar por que os pais reagem ou deixam de reagir a seus filhos da forma que fazem? Como esses pais foram criados quando crianças?
A babá nunca vai além da superfície e suas análises são iguais para todas as famílias. O problema é sempre que os pais não são suficientemente fortes ao controlar seus filhos. Ela não tem problema nenhum com a questão do poder, desde que o poder esteja na mão dos adultos. As crianças são “o inimigo” a ser conquistado. (Em outro programa, chamado Nanny 911, o narrador avisa contra o perigo das crianças “tomarem a casa”; em um episódio as crianças são descritas como “pequenos monstros.”) Os pais aprendem a como fazer seus filhos tirarem uma soneca nesse momento. Não importa se as crianças estão cansadas ou não.
As palavras preferidas das supernanny são “técnica” e “consistência.” Primeiro, ela cria uma rotina – todos vão comer as seis da tarde por que ela disse que é assim – e as crianças recebem uma lista de regras genéricas. Ela está interessada em obediência e ordem, não em aprendizado e reflexão. Então, ao invés de ajudar uma criança a refletir sobre os efeitos de sua agressão nos outros, ela é informada que bater é “inaceitável”; razões e moralidade não entram na conversa. Depois a criança é forçada a ir para o canto do castigo. Depois, a babá ensina o pai a obrigar a criança a se desculpar. As palavras mágicas são murmuradas sob coação. Os adultos parecem felizes.
Para dar um equilíbrio, as crianças são controladas com recompensas e não só com punições. Quem não estava comendo o que (quando ou quanto) os pais gostariam, recebe um parabéns assim que começam – “Bom garoto!” para cada colherada. Claro que eles vão comer mais. Essas crianças estão tão desesperadas por aceitação que vão aceitar o reforço contingente no lugar do amor incondicional que eles realmente precisam.
A filha em um episódio está acostumada que a mãe deite do lado dela na hora de dormir. “Esqueça” diz a supernanny e a tradição é encerrada sem aviso ou explicação. Quando a menina começa a chorar, isso só prova que está tentando manipular a mãe. Mais tarde a mãe confessa: “Eu senti como se estivesse maltratando ela.” “Não desista” pede a babá e em breve as preocupações da mãe se transformam em “Está funcionando; a casa está mais silenciosa” – significando que a menina perdeu as esperanças que a mãe vai se aconchegar perto dela.
Em outro episódio, um menino está brincando com uma mangueira no jardim quando sua mãe chega e anuncia “Acabou.” O menino protesta (“Estou limpando!”) e então ela desliga a torneira. Ele fica chateado e chuta um carrinho. A supernanny com cara espantada diz: “Tudo isso só por que ela desligou a água!” Ela não faz nenhum comentário sobre a forma autoritária e desrespeitosa que provocou essa explosão. Mas também, autoritarismo e desrespeito são suas armas prediletas.
A superficialidade da supernanny não é acidental; é ideológica. Esses shows estão vendendo o “behaviorismo” ou “teoria comportamental”. O ponto principal não é criar um filho; é reforçar ou extinguir comportamentos – o que é suficiente para aqueles que, como B. F. Skinner e seus seguidores, acreditam que não passamos de uma série de comportamentos.
O behaviorismo é tão americano quanto recompensar crianças com torta de maçã. Somos um povo ocupado, com fortunas a ganhar e terras a conquistar. Não temos tempo para teorias ou complicações: gostamos de técnicas que funcionem. Se demitir milhares de empregados aumenta o preço das ações; se a imposição de um currículo padrão e emburrecedor aumenta as notas nos testes; se utilizar subornos e ameaças ajuda a fazer crianças obedecerem, então não é preciso perguntar coisas como: “Por quanto tempo isso vai funcionar? A que custo?”
Quando eu estava pesquisando para escrever um livro sobre criação de filhos, descobri pesquisas impressionantes sobre os efeitos danosos de técnicas como o “canto do castigo”, que são basicamente formas de retirada de amor. Também descobri que os pais que evitam usar controle excessivo e preferem utilizar carinho e a razão, tem mais chances de ter filhos que fazem o que eles pedem – e que crescem e se tornam pessoas responsáveis, saudáveis e com compaixão.
Se você aguentar assistir esses programas de babás, você terá uma boa lição de como não criar seus filhos. Eles nos ajudam a pensar sobre a onipresença do behaviorismo-pop e da nossa sede por soluções rápidas. A supernanny diz com sinceridade para uma dupla de pais: “Eu garanto que se vocês forem consistentes, (seu filho) vai receber sempre a mesma mensagem.”
É claro que vai! Mas que mensagem?

Copyright © 2005 por Alfie Kohn. Publicado no “The Nation” em 23 de Maio de 2005 e traduzido por Marcelo Michelsohn com autorização do autor. 

Fonte: http://conexaopaisefilhos.com/2013/10/30/castigo-pessimos-conselhos-da-supernanny/


4 comentários:

  1. Que ideia rasa e sem fundamento sobre o behaviorismo!

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  2. Ótimo texto! Parabéns.. muito bem escrito!! Expressa perfeitamente a manipulação com q temos de lidar diariamente, e os pobres dos pais (ok, nem tão pobres assim) sem saber pra onde correr, acabam caindo nesse conto (já bem passado aliás) e destruindo/dilacerando com quaisquer possibilidades de uma vida emocionalmente saudável com seus filhos. A questão do cpto. é mesmo delicada, da perspectiva da psicologia pode ser um aliado SE e somente SE souberem como utilizar, oq não é o caso da nossa amiga ''super-adestradora'' do programa.

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  3. Excelente! Vale boa reflexão e debate!

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  4. eu estava refletindo sobre o programa e achei muito escolinha anos 50.

    A cadeira nada mais é do que o antigo armário que colocavam a criança,o autoritarismo e impaciência é lei e usam o absurdo de recompensa com estrelinhas ou adesivos para bom comportamento.

    Sinceramente ridiculo. A criança vai crescer acreditando que seus sentimentos de frustação e raiva nunca são válidos já que são inaceitáveis !

    Ficarão frustados ao ver que as regras é somente a eles enquanto os adultos nunca vão a cadeirinha por mal comportamento, mostrando que não tem problema ser hipócrita .

    E as estrelinhas somente criarão adultos frustados na vida real que não entende que a faculdade/emprego/vida NÃO dão recompensa por boas ações !

    Para mim o programa somente ensina como criar adultos frustados e fracassados, que sempre irão obedecer e agradar mesmo que recebam migalhas ou abuso em troca, pois é inadimissivel ter raiva e revolta !

    Perfeita receita para criar acomodados e alienados que obedecem autoritarismo e tem medo da liberdade do próximo ...

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